Olho para as janelas dos edifícios vizinhos e só vejo pessoas sentadas diante de um computador ou de um aparelho de TV. De vez em quando, alguém cozinha, lava a louça ou estende a roupa molhada num varal. Mas nada de cenas picantes, nem mesmo as moças se penteiam na janela de um banheiro ou quarto. Com tanto recato, como é possível ser voyeur, esse ser indiscreto que olha e bisbilhota sem ser visto?
Já se sabe: nos trópicos os olhares são menos sutis, mas até mesmo na América Latina e no Caribe um mirón também olha sem ser visto. A essência do olhar é a mesma: olhar amoroso e erótico, de um amor e eros impossíveis, em que a carne, mesmo sendo fraca, jamais será franqueada a quem olha.
Não foi outra a história do meu primeiro amor platônico, quando eu era jovem demais para viver amores carnais. Naquela época eu olhava com insistência para uma moça de origem estrangeira numa Manaus que me era mais que familiar. Ao meio-dia, mal chegava da escola, tirava a gravata e o cinturão do uniforme de calouro, arregaçava as mangas, pegava o binóculo poderoso do meu pai e trazia para perto de mim a imagem de uma loura. No equador da minha primeira juventude, quase todas as louras eram de origem inglesa ou alemã. Podiam ser também caboclas: as amazonas sem cavalo, com dois seios, e cabelos oxigenados: louras perfeitamente falsas.
Com a imagem dessa moça viajei para muitos lugares distantes, como se eu fosse um globe-trotter do amor sempre irreal, nunca carnal. Às vezes a imagem se aproximava tanto do meu rosto que meus olhos quase podiam tocá-la. E um dia, um domingo nublado, de sol escondido, isso de fato aconteceu: vi a moça usando um biquíni vermelho - o traje de banho e sua cor eram ousadias máximas em 1964: ano nefasto -, o corpo estirado sobre uma toalha estendida no pátio de sua casa, bem na fronteira com o jardim da minha morada: o lugar do pecado original, onde o cheiro de jambo sabia a maçã.
A toalha era irrelevante, e o binóculo, poderoso, milagroso, companheiro de viagens sentimentais de um jovem voyeur, trouxe ao alcance das minhas mãos um par de pernas perfeitas, ombros dourados, seios arredondados e firmes, que eu só tinha visto em filmes no Éden, que era o outro lugar do pecado: sala escura, quase pública. Estava imerso nesse sonho de verão em dia nublado, suando frio como se o coração fosse saltar pelos olhos, quando dois tentáculos enlaçaram minha cintura, apertando-a com gana de jiboia ávida para engolir sua presa. Assustado, saí do sonho visual, real. Eram os braços e mãos de minha mãe, cuja voz exclamou: Mas eu não estou dizendo?! Essa é boa!
Ela poderia ter dito: Essa é gostosa! Mas não seria a voz de minha mãe, e sim minha voz interior, pois a outra, sonora, estava encalacrada, entalada pela advertência materna, que soava como um brado de ciúme eterno, mas ainda ingênuo, porque logo em seguida ela ordenou: Já para o banheiro! Tira logo esse suor fedorento do teu corpo.
Obedeci no ato: o furor da voz materna querendo purificar o corpo do filho. Quando eu ia trancar a porta do banheiro, ela me perguntou, em tom inquisidor: o que tu estavas olhando com o binóculo do teu pai?
Os jambos maduros, mãe. Estou louco pra comer jambos.
Ela sabia que eu gostava dessa fruta inocente, doce e carnuda: a mais suculenta do nosso jardim de tantas delícias.
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