domingo, 20 de março de 2011

Festival comemora imigração árabe no Brasil

Começou nesta sexta-feira (18) na capital paulista uma vasta programação cultural para comemorar o Dia Nacional da Comunidade Árabe. Haverá desde palestras e shows até homenagem a descendentes.
Isaura Daniel isaura.daniel@anba.com.br
São Paulo – O grupo Mabruk vai fazer espetáculo de dança, o calígrafo Moafak Dib Helaihel via lançar seu livro de caligrafia, o ator Uynes Chami vai contar suas histórias, os grafiteiros Gregone, Neo, Smesh, Jota, Her e Frenesi mostrarão um painel sobre os árabes, africanos e sul-americanos, e até o chanceler brasileiro, Antonio Patriota, vai falar. É mais ou menos assim, com uma vasta programação cultural, protagonizada por autoridades e especialistas em cada um dos temas, que acontece, a partir desta sexta-feira (18) até o dia 31 de março, em São Paulo, o 2º Festival Sul-Americano da Cultura Árabe. A curadoria e realização é da Biblioteca e Centro de Pesquisa América do Sul-Países Árabes (Bibiaspa).

"É uma grande oportunidade para enfatizarmos a relevância das sociedades árabes no Brasil, as semelhanças e proximidades, as influências na língua, literatura, artes, música, entre tantas outras expressões", afirma o coordenador do festival e diretor da Bibliaspa, Paulo Daniel Farah. O festival acontece anualmente para comemorar o Dia Nacional da Comunidade Árabe, instituído por lei para 25 de março. "A data não foi escolhida por acaso", diz Farah, lembrando que a 25 de Março, rua de comércio formada principalmente por árabes e imigrantes na capital paulista, tornou-se uma espécie de República Árabe.


A edição do festival deste ano, que terá programação em diversos pontos da cidade, será maior do que no ano passado e terá alguns destaques, como a exposição "Islã: Arte e Civilização", maior mostra de arte islâmica já realizada na América Latina, além de um painel sobre o papel do Brasil nas transformações dos países árabes pelo ministro de Relações Exteriores do Brasil, Antonio Patriota, na próxima terça-feira (22), na Universidade de São Paulo (USP), e uma homenagem a personalidades importantes da comunidade árabe, que receberão uma medalha comemorativa dos 130 anos da presença árabe na América do Sul do chanceler brasileiro, também na terça, na sede da Bibliaspa.


Os homenageados serão o presidente da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, Salim Schahin, Paulo Farah, que também é escritor, o estudioso e escritor Benjamin Abdala Júnior, o jurista João Grandino Rodas, a filósofa Marilena Chauí, os escritores Milton Hatoum e Raduan Nassar, o médico Riad Younes e a fundadora do Hospital Sírio Libanês, Violeta Jafet. "Para mim será uma honra receber esta homenagem porque demostra também admiração pelo trabalho da Bibliaspa, estimula-nos a prosseguir e ampliar a atuação", diz Farah, comentando também a homenagem a Schahin. "É um exemplo de grande empenho em prol do desenvolvimento do Brasil e dos países árabes", afirma Farah, destacando a atuação de Schahin em várias áreas, desde empresarial até beneficente.


Outro destaque da programação é a exposição "Os povos árabes, africanos e sul-americanos pelo olhar da street art", um grande painel artístico feito pelos grafiteiros Gregone, Neo, Smesh, Jota, Her e Frenesi na Bibliaspa, com revelação de linguagem contemporânea destes três povos. Nesta sexta-feira pela noite, a partir de 20h30, eles apresentação o painel, na sede da Bibiliaspa, falarão sobre o seu desenvolvimento e exibirão um filme. A abertura da mostra como um todo também acontece nesta sexta-feira pela noite, com apresentação musical e recital poético, na sede da Bibliaspa.


Também é destaque o lançamento do livro "Caligrafia Árabe", de Moafak Dib Helaihel, publicado pelas Edições Bibliaspa em quatro idiomas. Haverá uma exposição sobre caligrafia entre os dias 18 de março e 04 de abril, na sede da Câmara Árabe, e também na Bibliaspa, entre 18 de março e 20 de maio, além de palestra sobre o tema, no dia 23, no Centro Cultural Banco do Brasil, e lançamento do livro, no dia 24, na sede da Bibliaspa pela noite. Também é destaque a presença de escritores renomados de origem árabe na programação. "Tradicionalmente os povos árabes valorizam a literatura, as artes, de modo que as gerações são influenciadas por suas famílias, pelos antepassados", afirma Farah.


Há ainda uma vasta opção para o público, no festival, de apresentação de espetáculos de dança e música, recitais de poesia, mesa-redonda, contação de histórias, exposição de fotos, peças de teatro, mostra de cinema, palestras e oficinas, tudo com abordagem especial sobre árabes e sul-americanos. A peça "Em que instante Deus criou as orquídeas", com fragmentos do livro de Milton Hatoum "Relato de um certo Oriente", será apresentada no sábado (19), no Instituto Cervantes, e também no dia 25 de março, no Espaço Bibliaspa.


"O grande fruto deste festival é promover uma maior compreensão acerca dos povos e suas culturas, além da possibilidade de refletir sobre as manifestações culturais árabes e as contribuições dos imigrantes no contexto sul-americano", diz Farah, reforçando que a intenção do evento é fortalecer também o vínculo entre a América do Sul e os Países Árabes com base no respeito à diversidade cultural e nos laços históricos, além de promover a cultura da paz por meio da aproximação dos povos. "Visualizamos um mundo que vive em harmonia, que vê a diversidade como elemento de força para a riqueza e para o bom convívio social em qualquer parte do planeta", afirma.


O festival tem apoio da Unesco, Câmara Árabe, Prefeitura Municipal de São Paulo, Ministério de Relações Exteriores, Ministério da Cultura e
Governo Federal. A programação é aberta ao público e gratuita. (Veja programação completa no site abaixo)

Serviço:

2º Festival Sul-Americano da Cultura Árabe
De 18 a 31 de março
Realização: BibliASPA, Rua Baronesa de Itu, 639 - Santa Cecília - SP
Informações: (11) 3661 0904
Programação: www.festivaldaculturaarabe.org

Fonte: site do Itamaraty - www.itamaraty.gov.br/

segunda-feira, 14 de março de 2011

Globo News em Pauta recebe o escritor Milton Hatoum

O Globo News em Pauta desta terça-feira (15) recebe o escritor Milton Hatoum, autor do romance “Cinzas do Norte”, um relato de uma longa revolta e do esforço de compreendê-la. Na Manaus dos anos 1950 e 1960, dois meninos travam uma amizade que atravessará toda a vida. De um lado, Olavo, chamado de Lavo, o narrador, menino órfão, criado por dois tios, que cresce à sombra da família Mattoso; de outro, Raimundo Mattoso, ou Mundo, filho de Alícia, mãe jovem e mercurial, e do aristocrático Trajano. Não perca, nesta terça, às 20h30.

Entrevista para o jornal Clarín da Argentina

“Creio que a literatura argentina é a mais forte do continente.” Milton Hatoum em entrevista à revista do jornal (argentino) “Clarín”. Será que tem alguém aí disposto a discordar? (Ah, mas que Pelé foi maior que Maradona, foi!)

Veja a entrevista na íntegra retirada do site do jornal Clarín:

Milton Hatoum: “No estamos más en tiempos de Balzac”

Es uno de los escritores más importantes del Brasil. Dueño de una poética cosmopolita, aquí dice que “muchos textos posmodernos no son creíbles porque no son convincentes”.

POR Rodolfo Edwards

HALTOUM. Hijo de inmigrantes libaneses, su literatura mezcla el cuento árabe y la tradición europea.
Con cuatro novelas en su haber y un reciente libro de relatos cuyo título es A cidade ilhada ( aún sin traducción al castellano), el escritor brasileño Milton Hatoum es uno de los más importantes narradores de la literatura brasileña contemporánea y se ha transformado en un verdadero boom editorial: sus libros ya llevan vendidos en Brasil más de 200.000 ejemplares y fue traducido en varios países como Estados Unidos, Francia, Italia y España. En la Argentina, la editorial Beatriz Viterbo publicó dos de sus obras: Relato de un cierto oriente (2006) y Dos hermanos (2007).
Nacido en Manaos, en plena Amazonia, su padre era un inmigrante libanés que se casó con una brasileña cristiana también de origen libanés. La mezcla de culturas, lenguas y lugares en el periplo de personajes en constante movimiento dotan a la literatura de Hatoum de un sabor único, donde se enlazan la tradición oral del cuento árabe con las literaturas europeas y latinoamericanas. Destinos, memorias, olvidos envuelven a sus criaturas en un poético patchwork cosmopolita. Su novela Dos hermanos actualmente está siendo filmada para una mini serie de la señal brasileña O’Globo.
¿Cómo fueron sus primeros pasos en la literatura? En 1978 publiqué en libro de poemas llamado Amazonia, un río entre ruinas , título que anticipaba el desastre ecológico, ya en el año 1978. Yo sabía que con los primeros proyectos “grandiosos” de los militares como la Transamazónica, tarde o temprano la floresta sería destruida. Después, mientras estudiaba arquitectura en San Pablo, escribía cuentos pero después los tiré todos. En esa época yo imitaba mucho a los escritores que me gustaban: Faulkner, Machado de Assis, Jorge Luis Borges. Yo no tengo nada contra la imitación... el filósofo Walter Benjamin decía que la imitación es “un atributo superior del ser humano”. Pero uno debe encontrar su propia voz, lo que Céline llamaba la petit musique , la musiquinha (musiquita). En diciembre de 1979 obtuve una beca para irme a Madrid; pensaba quedarme cuatro meses y me quedé cuatro años. Luego me fui a París y estuve tres años. Allí empecé a escribir mi primera novela, Relato de un cierto oriente [que en la Argentina también publicó Beatriz Viterbo]. Tardé nueve años en escribirla. La empecé en el año 1980 y la publiqué en 1989, pero fueron cinco años de escritura. Me fue muy bien con esta novela porque fue publicada por una buena editorial y ganó el Premio Jabuti, un premio muy importante en Brasil, que se entrega desde hace cincuenta años. Para una primera novela no está nada mal. La primera novela es siempre un desafío, yo quería encontrar la voz “narrativa” y alejarme del Brasil. Eso fue muy importante.
¿Irse de Brasil le dio una nueva perspectiva? Sí, para la imaginación es mejor alejarse para ver mejor. La memoria tiene que ver con el tiempo y cuanto más lejano, mejor. Por eso no es relevante escribir sobre el pasado reciente. Borges decía que el olvido es parte de la memoria; Clarice Lispector también decía algo al respecto: “uno sólo puede acordarse de lo que nunca existió”. Esto es lo que pasa en la literatura: nunca el recuerdo es muy nítido o preciso, es algo un poco nebuloso, sin contorno.
¿Cómo influyó su ascendencia libanesa en su obra? A finales del siglo XIX, en la época del boom del caucho, mi abuelo llegó a Brasil. Fue muy importante la cultura de mis abuelos. Yo escuchaba varias lenguas desde niño. El hecho de saber que existían otras lenguas, que no estaba solamente la propia, que había “otros” en el mundo, me marcó profundamente. Mi abuelo hablaba mucho de la travesía que implicaba la inmigración desde un oriente muy lejano y aquellos relatos de los años que trabajaron en el río Amazonas, para mí era como escuchar Las mil y una noches . En mi casa mi abuelo hablaba árabe y mi abuela, árabe y francés, pero el francés le gustaba mucho más, como a todas las cristianas libanesas. Mi abuelo siempre le decía: “¡Hablá en tu lengua!” y ella le respondia: “ oui, d´accord ” (risas).
¿Qué importancia tiene la experiencia para un escritor? La experiencia es fundamental para la literatura. Cuando no hay experiencia, no hay literatura. En el lenguaje la experiencia aparece como verdad, eso la buena literatura lo puede transmitir. Muchos textos posmodernos no son creíbles porque no son convincentes.
En sus novelas tienen mucha importancia las situaciones familiares.
Sí. Los dramas familiares están en el origen de la novela del siglo XIX. En Faulkner, en Flaubert, en cuentos de Borges como “Emma Zunz” o “La Intrusa”. Shakespeare, los griegos... todos hablan de la familia. Lo que traté de hacer en mis novelas es expandir el drama y evocar los dramas de mi país.
¿Cuáles son sus influencias literarias? La literatura hispanoamericana me gusta mucho. Tuve la suerte de tener un gran profesor en la USP (Universidad de San Pablo), Davi Arrigucci Júnior, quien escribió un ensayo sobre Julio Cortázar llamado “El alacrán atrapado, la poética de la destrucción en Julio Cortázar” que fue muy leído en Brasil. Davi me hizo conocer la mejor literatura argentina: Roberto Arlt, Macedonio Fernández, Adolfo Bioy Casares... todos esos grandes escritores argentinos. Yo creo que la literatura argentina es la más fuerte del continente. Por esos años también leí a Felisberto Hernández, a Juan Carlos Onetti, a Juan Rulfo que fueron muy importantes en mi formación como escritor.
¿Y de la literatura brasileña? Gran Sertón: Veredas de Joao Guimaraes Rosa. Es la novela con más inventiva en lengua portuguesa y quizás de la literatura latinoamericana. Esto lo sabía Rulfo, lo sabía Cabrera Infante Tiene una trama muy compleja, llena de voces. Ese sertón profundo es el “mundo”. Cuando vivía en Francia, mis amigos me decían: “es imposible escribir después de Proust, de Celine, de Flaubert. Bueno, yo digo que es imposible escribir después de Guimaraes Rosa, de Machado de Assis. Es que hay monstruos sagrados, gente increíble; es difícil escribir ante esta tremenda tradición, por eso yo trato de no publicar mucho: he publicado cinco libros en veinte años. El otro día leí que un escritor brasileño había escrito ¡60 novelas! Pero no estamos más en tiempos de Balzac.

sábado, 12 de março de 2011

Rodas de Leitura: Uma leitura de Dois Irmãos com Milton Hatoum


Clássicos da contemporaneidade: uma leitura de Dois Irmãos
Segunda-feira, 14 de março, às 18h, na Biblioteca Nacional
 Ganhador de QUATRO Prêmios Jabuti, o escritor amazonense Milton Hatoum é o convidado de MARÇO das Rodas de Leitura

De volta ao cenário cultural carioca desde dezembro do ano passado, as Rodas de Leitura do próximo trimestre vão mergulhar o público no universo dos grandes textos, aqueles que podem ser considerados clássicos. Mas afinal, o que é um clássico? Na opinião da criadora e coordenadora das Rodas, Suzana Vargas, “não se deve confundir clássico com antigo, pois o novo pode já nascer clássico. Assim como um bom texto será sempre novo, bastando ao leitor descobrir sua contemporaneidade.”
E para reforçar esse ponto de vista, o premiadíssimo e contemporâneo Milton Hatoum, autor de alguns clássicos já consagrados pelo público e pela crítica, vai debater seu livro Dois Irmãos, vencedor do Jabuti de 2001 na categoria Romance.
Milton Hatoum (Manaus, 1952) é escritor, tradutor e professor. Lecionou literatura francesa na Universidade Federal do Amazonas (1984-1999) e foi professor visitante da Universidade da Califórnia em 1996. Autor de Relato de um certo Oriente (Prêmio Jabuti de Melhor Romance em 1989); Dois Irmãos (Prêmio Jabuti de 2001 e eleito melhor romance brasileiro entre 1990-2005); Cinzas do Norte (vencedor de 5 prêmios); Órfãos do Eldorado; A cidade ilhada e outros.
Neste romance de intensa dramaticidade, Milton Hatoum narra a história de dois irmãos gêmeos - Yaqub e Omar - e suas relações com a mãe, o pai, a irmã e, de outro lado, com a empregada da família e seu filho, um menino cuja infância é moldada justamente por esta condição: ser o filho da empregada. (Cia das Letras)
“Valeu a pena esperar 11 anos pelo segundo romance de Milton Hatoum. “Dois Irmãos” revela um notável amadurecimento do romancista, promissor em Relato de um Certo Oriente”, e agora dotado do domínio pleno de sua temática e de seus meios.”
 Leyla Perrone Moisés (Folha de SP)

Fonte: Site da Fundação Biblioteca Nacional

segunda-feira, 7 de março de 2011

No jardim de delícias - Crônica do jornal O Estado de S. Paulo (04/03/11)

Olho para as janelas dos edifícios vizinhos e só vejo pessoas sentadas diante de um computador ou de um aparelho de TV. De vez em quando, alguém cozinha, lava a louça ou estende a roupa molhada num varal. Mas nada de cenas picantes, nem mesmo as moças se penteiam na janela de um banheiro ou quarto. Com tanto recato, como é possível ser voyeur, esse ser indiscreto que olha e bisbilhota sem ser visto?
Já se sabe: nos trópicos os olhares são menos sutis, mas até mesmo na América Latina e no Caribe um mirón também olha sem ser visto. A essência do olhar é a mesma: olhar amoroso e erótico, de um amor e eros impossíveis, em que a carne, mesmo sendo fraca, jamais será franqueada a quem olha.
Não foi outra a história do meu primeiro amor platônico, quando eu era jovem demais para viver amores carnais. Naquela época eu olhava com insistência para uma moça de origem estrangeira numa Manaus que me era mais que familiar. Ao meio-dia, mal chegava da escola, tirava a gravata e o cinturão do uniforme de calouro, arregaçava as mangas, pegava o binóculo poderoso do meu pai e trazia para perto de mim a imagem de uma loura. No equador da minha primeira juventude, quase todas as louras eram de origem inglesa ou alemã. Podiam ser também caboclas: as amazonas sem cavalo, com dois seios, e cabelos oxigenados: louras perfeitamente falsas.
Com a imagem dessa moça viajei para muitos lugares distantes, como se eu fosse um globe-trotter do amor sempre irreal, nunca carnal. Às vezes a imagem se aproximava tanto do meu rosto que meus olhos quase podiam tocá-la. E um dia, um domingo nublado, de sol escondido, isso de fato aconteceu: vi a moça usando um biquíni vermelho - o traje de banho e sua cor eram ousadias máximas em 1964: ano nefasto -, o corpo estirado sobre uma toalha estendida no pátio de sua casa, bem na fronteira com o jardim da minha morada: o lugar do pecado original, onde o cheiro de jambo sabia a maçã.
A toalha era irrelevante, e o binóculo, poderoso, milagroso, companheiro de viagens sentimentais de um jovem voyeur, trouxe ao alcance das minhas mãos um par de pernas perfeitas, ombros dourados, seios arredondados e firmes, que eu só tinha visto em filmes no Éden, que era o outro lugar do pecado: sala escura, quase pública. Estava imerso nesse sonho de verão em dia nublado, suando frio como se o coração fosse saltar pelos olhos, quando dois tentáculos enlaçaram minha cintura, apertando-a com gana de jiboia ávida para engolir sua presa. Assustado, saí do sonho visual, real. Eram os braços e mãos de minha mãe, cuja voz exclamou: Mas eu não estou dizendo?! Essa é boa!
Ela poderia ter dito: Essa é gostosa! Mas não seria a voz de minha mãe, e sim minha voz interior, pois a outra, sonora, estava encalacrada, entalada pela advertência materna, que soava como um brado de ciúme eterno, mas ainda ingênuo, porque logo em seguida ela ordenou: Já para o banheiro! Tira logo esse suor fedorento do teu corpo.
Obedeci no ato: o furor da voz materna querendo purificar o corpo do filho. Quando eu ia trancar a porta do banheiro, ela me perguntou, em tom inquisidor: o que tu estavas olhando com o binóculo do teu pai?
Os jambos maduros, mãe. Estou louco pra comer jambos.
Ela sabia que eu gostava dessa fruta inocente, doce e carnuda: a mais suculenta do nosso jardim de tantas delícias. 

sexta-feira, 4 de março de 2011

Relato de um certo encontro: pequena narrativa sobre o dia em que estive com Milton Hatoum


   Era 7 de outubro de 2010 e o dia estava muito chuvoso. Havia um grande evento para acontecer na cidade de Alumínio: uma palestra do grande escritor Milton Hatoum.
   Eu precisava ir a esse evento, pois minha pesquisa científica se baseia na obra desse grande autor e então meu pai se prontificou a me levar até Alumínio. Como disse o dia estava chuvoso e, por incrível que pareça, exatamente aquele dia 7 foi o único em que choveu na semana toda.
   O evento estava marcado para acontecer às 15 horas na Biblioteca Pública e saímos de casa às 14 horas, quando um tempo depois percebi que meu pai não estava tomando o caminho para Alumínio, mas para o Carrefour do Campolim.Questionado sobre o desvio de caminho, ele me disse que precisava colocar gasolina no carro ou então ficaríamos no meio do caminho e essa foi uma resposta convincente, mas o fato é que nunca tínhamos ido para Alumínio e a fila de carros era extensa.
   Quando conseguimos abastecer o carro eram 14h30min e a chuva havia aumentado bastante de intensidade e meu pai propôs para deixarmos de ir naquele dia para irmos no dia seguinte, em Piedade, à outra palestra de Miltom, mas já estávamos na rua e resolvi que devíamos ir, pois quem sai na chuva é pra se molhar e nós já havíamos saído na chuva, então só faltava nos molharmos.
   Eu estava muito preocupado, pois faltava pouco para o inicio da palestra e estávamos ainda na estrada e nem sabíamos onde ficava a Biblioteca Pública de Alumínio. Quando chegamos à entrada da cidade resolvi perguntar a alguém onde ficava a Biblioteca e o rapaz que abordei disse que ficava logo em frente e para nossa sorte demoramos menos que eu esperava para achar a Biblioteca (eis a vantagem de o evento ocorrer em uma cidade extremamente pequena).
   Meu pai parou o carro em frente à entrada da Biblioteca e eu saí correndo, pois chovia muito. Entrei e perguntei à recepcionista:
   - Onde vai ser a palestra do escritor Milton Hatoum?
   - Será no auditório que fica no prédio ao lado, senhor.
   - Obrigado!
   Fui ao prédio do auditório e o encontrei sem dificuldade. Olhei para o relógio, vi 15 horas no visor e a palestra ainda não havia começado. Ufa! Cheguei a tempo! Enquanto o mestre de cerimônia apresentava o escritor, eu vi entrar e esperar na porta o Miltom e fui tomado de uma emoção grande, pois na área de Literatura, a maioria de nossos ídolos já está morta e infelizmente não podemos ter contato com eles.
   Na palestra, Milton começou falando das influências que teve na Literatura e que os autores que o levaram para as letras foram Gustave Flaubert e Graciliano Ramos e que o contato com esses autores foi feito através de sua professora quando ele tinha 15 anos. Depois ele criticou toda a literatura de massa, com ênfase nas de autoajuda e Paulo Coelho e também a influência da indústria cultural de massa dos EUA, que consegue penetrar facilmente na cultura dos outros países e só serve para a alienação.
   Houve crítica à política e Milton disse que falta o povo interpretar para votar bem, ou seja, falta visão crítica ao povo para que um “Tiririca” não possa ser eleito de novo, sem falar nos políticos corruptos e sujos. A cultura brasileira foi elevada e o escritor falou da Bossa Nova, de João Gilberto e disse que nossa cultura deve ser mais explorada.
   Em relação a seus livros, ele diz que em Dois Irmãos as personagens compartilham da visão de mundo do autor, que deu peso aos personagens secundários e que Omar tem ligação com Tio Ran (de Cinzas do Norte) e ainda falou sobre personagens planas e redondas citando o livro Como funciona a ficção de James Wood. Em relato de Um Certo Oriente diz que teve inspiração na infância, pois o avô era um bom contador de histórias e o personagem que mais emocionou Milton foi Halim, pois a morte do pai do autor era recente e a ligação entre Halim e o pai era presente.
   Quando terminou a palestra, fui ao encontro de Milton, falei sobre a pesquisa que estou fazendo sobre sua obra e as leituras de seus livros e ainda tirei uma foto para registrar o grande momento. Na volta para casa a chuva não cessava e meu pai e eu ficamos desde 17 horas (horário do término da palestra) até às 20 horas tentado voltar para casa, pois o trânsito na cidade de Sorocaba já está se tornando insuportável, mas fora os pequenos contratempos tive uma grande experiência cultural e ainda consegui contato com um grande ídolo e uma realidade da nossa excelência literária e que levará o nome Brasil muito longe!

Milton Hatoum tem três livros sendo adaptados para o cinema

Milton Hatoum tem três livros que serão transpostos para o cinema em breve.

Milton Hatoum tem três livros sendo adaptados para o cinema.jpg
O cineasta Luiz Fernando Carvalho, que vai dirigir adaptação do romance "Dois Irmãos", escrito por Milton Hatoum


Guilherme Coelho, do documentário "Fala Tu", deve adaptar a novela "Órfãos do Eldorado".

O romance "Dois Irmãos" já começou a ser adaptado por Luiz Fernando Carvalho, de "Lavoura Arcaica".

Enquanto isso, "Relato de um Certo Oriente" será filmado por Marcelo Gomes, de "Cinema, Aspirinas e Urubus".

O escritor amazonense deve concluir o próximo romance até julho. 

Fonte: http://www.jornalfloripa.com.br/artisticasenovelas/index1.php?pg=verjornalfloripa&id=915